Não consigo imaginar alguém que não goste de escolher suas roupas. É uma expressão poderosa da nossa personalidade e sentimentos – e das mais honestas, diga-se. Escolho as minhas desde que me entendo por gente. No final da minha adolescência, minha mãe ainda teve uma confecção e fui sua Top Model! Senti muita emoção quando me vi em anúncios de revista bacanas, mas não era o que queria para minha vida profissional.
Tomei outros rumos, mas o mais interessante é que voltei a ser modelo por acaso depois que fiquei tetraplégica. Fiz até um ensaio para a TRIP, que foi capa da publicação, uma campanha para a Du Loren e outra para a Bombril que ficaram bem famosas. Experiências muito boas, porém meu trabalho é outro: sou vereadora em São Paulo e presido uma ONG. Minha vida é bem agitada e corrida: compromissos de manhã até a noite, que muitas vezes requerem uma vestimenta mais sofisticada.
Sempre me preocupo com o que vestir, sem exageros ou neuras. Meu guarda-roupa é do tipo que podemos chamar de clean, com alguns toques de cor. Assessórios são importantes: colares, echarpes, anéis. Mas a atenção especial vai para os sapatos. Adoro botas! Devo ter pares de todas as cores. E os sapatos e sandálias precisam ter sola de borracha em baixo senão qualquer trepidação na cadeira de rodas, lá se vão meus pés, escorregando um para cada lado.
Posso dizer também que meu estilo é extremamente feminino porque, há cerca de cinco anos optei por usar somente saias por um motivo simples: a praticidade que me dão. Fica mais fácil de vestir e basta levantar quando sinto vontade de ir ao banheiro, já que é sempre alguém que movimenta o meu corpo por mim sem que eu precise participar. Por isso, quando encontro roupas com aberturas, botões ou fechos estratégicos, compro sem pestanejar. Os estilistas não imaginam o quanto esses detalhes facilitam a minha vida e o quanto tachinhas, pedrinhas e outros adereços podem machucar, e muito.
Nos desfiles estas estratégias de praticidade são sempre lembradas pra ajudar a troca para as modelos que correm contra o tempo. Elas sabem bem o que isso, sem a parte do pensar qual roupa vestir. Ainda bem que eu penso já que não posso ajudar nem com pequenos movimentos no vestir. Pareço uma boneca Barbie gigante! Uma vez, em Maresias, estava sentada num daqueles chuveiros de praia sob o fluxo da água. A cena inusitada – um misto de bagunça com atividade de risco – despertou interesse em algumas crianças que se prontificaram a me ajudar. Não demorou dois minutos para elas comandarem as tarefas: “Passa o sabonete no braço”, “Cuidado com o pé dela!”… Virei brinquedo!
Além das facilidades para que o vestir seja uma tarefa e não uma briga, outro fator importante para quem fica muito tempo sentada como eu, é o tipo de tecido. A lycra, por exemplo, não permite a respiração da pele. O algodão é mais adequado. Hoje, há uma infinidade de opções de tecidos que facilitam a transpiração e não amassam – outro item importantíssimo. Sou carregada para entrar e sair do carro. A roupa tem que agüentar e não ficar parecendo que foi tirada de dentro de uma garrafa! E, nestas transferências, a prática saia vira vilã: dependendo do corte, o bumbum e as lingeries bem escolhidas pra combinar com a roupa (não consigo não fazer isso!) são de todos!
Também não gosto que a roupa seja muito folgada senão fico parecendo um saco de batatas jogado na cadeira. Gosto de mostrar o corpo. Uso cinta, pois além de preservar a coluna reta e a musculatura do abdômen, ajuda na postura e facilita a respiração, já que tetras como eu possuem a respiração basicamente diafragmática.
Não é porque quebrei o pescoço que não me preocupo em me vestir bem. Assim como as pessoas cegas não querem sair com uma meia de cada cor ou sem combinar a calça e a blusa. Somos cerca de 18 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no Brasil. No mundo são 600 milhões. Não dá para ignorar um público desta magnitude que deseja consumir. Por isso, vale a pena prestar atenção nos inúmeros elementos alternativos e trazer todo mundo pra sua grife.
Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga, ex-secretária municipal da Pessoa com Deficiência e Deputada Federal. Preside o Instituto Mara Gabrilli, ONG que apóia atletas com deficiência e fomenta pesquisas científicas. Há 22 anos sofreu um acidente de carro, passou cinco meses internada – dentre os quais dois em respirador artificial – e recebeu uma nova condição para a vida: a impossibilidade de se mexer do pescoço para baixo. Foi Trip Girl na Trip#82. Ainda escreve uma coluna para a revista TPM e comanda o programa de rádio Derrubando Barreiras: acesso para todos na Eldorado AM.
Seu site: www.maragabrilli.com.br