Em 1989, o documentário “A Identidade de Nós Mesmos”, dirigido pelo conceituado diretor alemão Wim Wenders – presidente da Academia de Cinema Europeu, em Berlim, desde 1996 – foi lançado a partir de uma encomenda da Centre National d’Art et de Culture Georges Pompidou, que requisitava um filme sobre moda.
O diretor admite-se perdido em relação ao tema a ser abordado, encontrando no questionamento filosófico respostas subjetivas sobre o ato de ser, mais do que isso, ser único. O estilo de produção de Wim é reflexivo e, ocasionalmente, abstrato. A narração que temos no prefácio do filme levanta “a identidade” como algo visceral que, mais tarde concluímos, ser o único exemplar, o documento original, ou seja, não há cópia alguma do que foi produzido em um conceito, uma natureza e uma identidade própria (autoral).
A moda vai tornando-se compreensível para o diretor na medida em que é comparada ao cinema como um “caderno de anotações sobre o que existe e merece existir”. Os dois mundos para Wenders “movem-se constantemente divididos entre aparência e realidade”. Assim a relevância deste tema é a mesma de qualquer outro já produzido ou imaginado por ele, pois trata-se, simplesmente, de comportamento humano; um reflexo social de significância primordial para se ter arte.
Neste momento temos o encontro de Wim Wenders e Yohji Yamamoto. O encontro é real, passando por algumas visitas do diretor a Tóquio, mas, em especial, conceitualmente falando. Wim constata factualmente o trabalho de Yohji como arte, estando seu produto (roupa/marca) inerente à poesia artística com simplicidade e contemporaneidade.
O conceito à frente da prerrogativa atual da sociedade é uma característica gritante no trabalho de Yamamoto. Percebemos que isto é um produto reflexivo, principalmente, do passado – “Eu vivo o presente arrastando o passado. (…) Não confio no futuro”, diz o estilista.
O documentário caminha aos passos da produção da nova coleção que seria lançada pela marca naquela temporada. Participamos do processo de pesquisa, criação, confecção, prova e apresentação das peças de forma calma e argumentativa. Conhecemos preciosidades como os livros antigos de fotografia de Yohji, símbolos puros de inspiração, que retratam pessoas de diversos lugares do mundo, despertando a observação atenta, a contemplação e a curiosidade. O estilista japonês conta como a gola do casaco que Jean-Paul Sartre usava em uma fotografia feita por Henri Cartier-Bresson o inquietou e foi incorporada às últimas peças. Outro exemplo é o retrato de um homem em traje simplório de alfaiataria, com um olhar penetrante e mãos nos bolsos, realizado pelo fotógrafo August Sander no início do século XX, que, de acordo com Wenders, é, sem dúvidas, a imagem favorita de Yohji.
O estilista ainda discute sobre a identidade de suas cidades favoritas do mundo, Paris e Tóquio, caracterizando as mulheres de cada um em relação a fatores histórico-culturais, rotina, necessidades etc. Suas criações levam em conta a singularidade destes fatores, admitindo não conseguir generalizar o público de sua marca, que só são colocados em intersecção quando se trata da essência, ou seja, a reflexão e a experiência.
Sob o preceito de que a simplicidade é o segredo da beleza durável, a estética da marca Yohji Yamamoto é minimalista. O toque (textura) e as formas estão como ponto de partida para toda criação, preservando a sensação acolhedora e as linhas assimétricas. “Assimetria é sinônimo de beleza para mim”, aponta o estilista. Sobre cores, Yohji destaca a quase totalidade do preto em sua coleção, como forma de deixar de prestar atenção ao externo (cor) e dar profunda importância à essência (formas).
Wenders diz, concluindo o filme, ter guardado “o melhor para o final”. Sua cena favorita, capturada durante todo o tempo que passou com Yohji e sua equipe, foi um singelo momento de trabalho em conjunto, a qual mostra vários jovens e velhos funcionários da marca ao lado do designer, discutindo, aprendendo e produzindo em igualdade. É um momento de compartilhamento, humildade e simplicidade, representando um paradoxo ao mundo da moda, caracterizado pelo individualismo, egocentrismo e competição.
Finalizamos “A Identidade de Nós Mesmos” com um legado de respeito, generosidade e conscientização da particularidade de cada um ao nosso redor e, de forma mais geral, do mundo e o que nele está inserido. Yohji Yamamoto coloca como verdade absoluta a integridade humana, sendo nós responsáveis por cada um de nossos atos. E Wim Wenders deixa seu caráter filosófico como uma recorrência ao espectador, apresentando e documentando incrivelmente o que vale a pena ser na moda, no mundo, na humanidade.
Documentário “A Identidade de Nós Mesmos”
(título original: “Aufzeichnungen zu Kleidern und Städten” | título em inglês: “A Notebook on Clothes and Cities”)
Ano: 1989
Diretor: Wim Wenders
País: França (Paris) e Japão (Tóquio)